13.9.10

A Bowery e o Lower East Side, em Nova York: para onde o art scene está migrando

New Museum, no Lower East Side. Crédito: reprodução Wish Report

A matéria que segue saiu originalmente na revista Wish Report, mas resolvi dar um repeteco aqui porque desde então a Bowery só continuou a pegar mais e mais embalo. Ou seja: a matéria continua super atual. Pra quem quiser, além de comer bem na Bowery ver também um pouquinho de arte....

A Vez da Bowery

por Alexandra Forbes e Karin Dauch


Não é de hoje que o mercado de arte contemporânea em Nova York vive um boom. Faz pelo menos dez anos que o bairro do Chelsea virou um verdadeiro pólo de galerias, cada uma mais cara que a outra, a começar pelas super poderosas Gagosians – uma na rua 21 outra na rua 24, que expõem gente do calibre de Damien Hirst e de Kooning. Nem mesmo o susto causado pela crise dos empréstimos subprime desacelerou o apetite febril de bilionários de toda parte – Moscou principalmente – por arte cerebral e moderna.

O que está mudando, isso sim, é o foco das atenções. Se até pouco um artista valendo mais de meio milhão por tela nem sonharia em expor em outro lugar que não fosse o Chelsea, o bairro agora está ganhando um ranço de old news. O Chelsea tornou-se mainstream – e em se tratando de arte, esse rótulo é fatal. Nova York adora uma novidade e o olhar de galeristas e entendidos está se virando para a rua Bowery e arredores, no Lower East Side.

O pedaço está mudando aos pouquinhos. Primeiro vieram os artistas, atraídos por aluguéis baratos. “Aqui viveram gerações de artistas de todas as mídias, do mundo todo”, diz Saul Dennison, presidente do conselho do New Museum of Contemporary Art (na foto acima). Galpões viraram estúdios e barzinhos do pedaço, pontos de encontro para falar de arte. Em seguida foram criados espaços para performances e instalações, como a Educational Alliance e a Gallery 128. E, emfim, surgiram as primeiras galerias de arte, como a cooperativa de artistas Orchard, a Canada e a Rivington Arms.

Em 2007, o Bowery finalmente recebeu o carimbo de legitimidade que faltava, com a inauguração da nova sede do New Museum (na foto acima). O prédio por si só já é icônico o suficiente para atrair os “arquehólicos” – turistas que viajam o globo para ver, fotografar e “sentir” o vibe de cartões-postais da nova era como o museu de Bilbao de Frank Gehry, por exemplo.

O terreno pequeno, onde funcionava um estacionamento, foi aproveitado engenhosamente. Os arquitetos japoneses Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa desenharam seis caixotões empilhados assimetricamente. Uma pele perfurada revela as entranhas do prédio aos passantes e transmite uma sensação de leveza, como se a pilha de caixas fosse irridescente.


novayork_newmuseum

“A Bowery era meio barra-pesada na primeira vez que visitamos”, diz Sejima. “Ficamos meio chocados, mas também muito impressionados com o fato de que um museu importante queria mudar sua sede para lá”. Se a diretoria do museu tomou um risco ao investir mais de 40 milhões de dólares ali, muita gente do mundinho artístico pegou carona nos holofotes da mídia.



Não há um número oficial de quantas galerias existem na área. Nem mesmo os sites sobre arte na internet conseguem acompanhar a explosão de vernissages e aberturas de galerias nos quarteirões em torno da Bowery, uma rua que até pouco tempo atrás era conhecida só pelas lojas feionas de equipamentos de cozinha para restaurantes. Um mapa das galerias da região publicado recentemente pelos organizadores do Armory Show (grande exposição anual de arte contemporânea de Nova York), listou 26 galerias no Lower East Side. Nada menos que quinze delas ficam aglomeradas num raio de cinco quarteirões do New Museum. “É realmente dificil acompanhar essa explosão de galerias! Pelo que eu saiba, estao faltando no mínimo duas ou três nesse mapa!”, diz Amy Stewart-Smith, dona da galeria homônima que abriu há um ano.



Mas o boom artístico não mudou o espírito alternativo do pedaço – ainda. Continua viva a mistura de juventude punk com um lado meio bagaceiro do comércio montado por imigrantes latinos e chineses (o bairro beira e se confunde com Chinatown). É uma Nova York diferente, vibrante mas encardida. As calçadas são irregulares, os muros, grafitados e os terrenos baldios, sujinhos. Algo assim como o Soho de 20 anos atras, pré-Prada!



A poluição visual não parece estar assustando ninguém do mundinho. Até blue chips (galerias consagradas e poderosas) como a Lehman Maupin, do Chelsea, e a Salon 94, do Upper East Side, estão vindo correndo. Ambas abriram no ano passado filiais no mesmo quarteirão do New Museum. A Salon 94 Freemans fica num beco sem saída, o mesmo onde fica o charmoso Freemans (abaixo), que serve almoço para uma clientela nada turística. É a parada ideal para um dia de andanças pelas galerias.

novayork_freemans


Curioso: enquanto as galerias pequeninas e mais antigas mantêm o vibe alternativo do Lower East, as poderosonas recém-chegadas trouxeram com elas um certo esnobismo típico do Chelsea e do Upper East Side. Recepcionistas magérrimas com sotaque francês e cara de paisagem fazem você se sentir uma mosca na parede. Representam artistas ultravalorizados, cuja arte é vendida a preços nada alternativos. Um móbile do americano Calder já esteve à venda na Lehman 12 milhões de dólares.



Outra galeria de peso que se instalou logo em frente ao beco Freemans é a Greenberg Van Doren. A filial tem nome diferente da matriz – 11 Rivington – e propõe mostrar artistas emergentes num espaço que abriga projetos mais experimentais, idéia que tem mais a ver com o espírito original do bairro. Valeska Soares, brasileira radicada em Nova York, já mostrou lá.



Brasileiros, aliás, estão em alta. Exemplo? A videógrafa Antonia Dias Leite, que já expôs em outra galeria do pedaço, a Luxe. O dono do espaço, Stephan Stoyanov, migrou de uptown para as redondezas da Bowery, e gostou da mudança. “Meus vizinhos e eu somos o trio dinâmico,” brinca, se referindo às galerias vizinhas: Smith-Steward e Fruit and Flower Deli. “Fazemos vernissages na mesma noite e vivemos trocando contatos de colecionadores e curadores,” diz a bonita e simpática Stewart-Smith.


Reina um certo clima fraternal entre os pequenos galeristas. “Quem investe aqui é porque realmente aprecia arte contemporânea e nao por interesse comercial,” diz Dennis Christie, dono da DCKT – outra galeria recém-transplantada do Chelsea para a rua Bowery. A private art dealer Tora Bonnier, que se mudou para lá há pouco, explica que o boom está acontecendo porque as pessoas se cansaram da frieza do Chelsea e preferem a atmosfera intimista das galerias do Lower East. “Andar por aqui é muito mais divertido, as galerias tem uma escala mais humana, muitas vezes o artista está lá também e você se sente parte de uma comunidade”, diz Bonnier. Stewart-Smith concorda: “É esse intimismo que os artistas procuram e não acham nos cubos estéreis do Chelsea.”


Intimismo? Talvez a palavra certa seja despojamento. O Chelsea fez fama e fortuna com as dúzias de caixotões brancos ou cinzas e recepcionistas antipáticas e bem-vestidas, enquanto a Bowery e arredores tem um sem fim de artistas sujos de tinta batendo papo nas ruas, fumando um cigarrinho, e vernissages descontraídas freqüentadas por uma salada de gente alternativa e moderninha e ricos antenados. Só não dá para achar que o vibe alternativo se traduz em preços mais camaradas do que os do Chelsea. Por dois mil dólares você não leva para casa nem mesmo uma fotinho em preto-e-branco. E viva a nova era contempo-artístico-bagaceira!

New Museum: Rua Bowery, 235, tel. (212) 219-1222
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